Jejum intermitente: guia para principiantes (II)


29 Junho 2020

O primeiro problema com que me deparei quando pensei experimentar o jejum intermitente foi a opinião das outras pessoas: “vais estar sem comer?”, “olha que isso faz mal”, “tens de ter cuidado”, “essas dietas malucas”, e por aí adiante. Há um grande estigma e muitos mitos à volta deste tema, embora, como expliquei na primeira parte deste artigo, o fasting tenha sido um hábito do ser humano durante boa parte da nossa evolução.

Além disso, a probabilidade de já todos termos feito jejuns intermitentes, mais do que uma vez na nossa vida, é bem grande. Quem nunca jantou, dormiu até mais tarde e só acordou à hora de almoço? Há muitas pessoas que não sentem fome de manhã, por exemplo, e obrigam-se a comer, enquanto outras saltam, simplesmente, essa refeição.

De acordo com os autores do estudo publicado no New England Journal of Medicine, o nosso padrão alimentar actual – as três refeições por dia, além de snacks – está de tal forma enraizado na cultura moderna que nem os médicos, nem os doentes, contemplam alternativas. A abundância de comida e o marketing à volta dos produtos alimentares acentuam ainda mais essa tendência.

Isto faz com que o jejum intermitente seja colocado na mesma prateleira de “dietas malucas” para perder peso quando, na realidade, não o é. Acredito até que, se combinado com uma alimentação saudável, pode ser um instrumento poderoso para melhorar a nossa saúde e prevenir a doença.

Os mitos

Há vários mitos à volta do jejum intermitente. Se tiverem curiosidade em saber mais, este artigo do Healthline fala sobre os principais. Aqui, gostaria de destacar dois mitos, porque são aqueles com que geralmente me deparo quando falo com alguém sobre este tema.

1 – Fazer várias refeições reduz a fome e leva à perda de peso

É um argumento frequentemente usado para rejeitar o jejum intermitente, mas, na realidade, não há estudos com conclusões consistentes a este nível. Ou seja, fazer mais refeições ou comer de forma mais frequente não está directamente relacionado com menos fome ou perda de peso. Tal como muitos outros temas no mundo da nutrição, acredito que o balanço é aqui, bastante individual: há pessoas (como eu) que preferem fazer poucas refeições e há quem beneficie de comer de forma mais frequente.

2 – O jejum intermitente leva à perda de massa muscular

O argumento usado é de que, na ausência da ingestão de alimentos, o nosso corpo começa a queimar músculo como combustível. Esta pode, certamente, ser a consequência de qualquer método de perda de peso no geral, mas não há estudos que mostrem que isso acontece mais no jejum intermitente do que noutras dietas. Pelo contrário. Os estudos que existem mostram que o fasting é melhor que outras dietas ao nível da manutenção da massa muscular. Talvez por isso seja bastante popular entre alguns desportistas e culturistas, que escolhem esta técnica como uma forma de manter músculo e, ao mesmo tempo, uma baixa percentagem de massa magra.

Como escolher o método

O método mais popular e geralmente considerado mais simples de seguir é o 16/8. Como expliquei na primeira parte, implica “saltar” o pequeno-almoço. Ora, esta opção nunca me pareceu muito viável, porque o pequeno-almoço é a minha refeição preferida. Foi por isso que decidi fazer uma adaptação, que muitas pessoas optam por fazer também, e “saltar” antes o jantar.

Ou seja, isto significa fazer 2 a 3 refeições por dia: um bom pequeno-almoço, um bom almoço e, no máximo, um lanche leve até àquela hora limite a partir da qual se iniciam as 16 horas de jejum. Faço isto todos os dias? Adoraria, mas não consigo. Tento fazer pelo menos duas a três vezes por semana, de uma forma mais espontânea do que propriamente planeada.

Não é necessário seguir um plano rigoroso de jejum intermitente para conseguir tirar benefícios desta prática. Pode, simplesmente, optar por jejuar quando lhe for conveniente – por exemplo, quando não tem fome ou quando não tem tempo ou paciência para cozinhar.

Tal como em tudo o resto no campo da nutrição, não há um modelo único que encaixe em toda a gente. E, sobretudo, só vai retirar benefícios desta técnica se não a encarar como um sacrifício.

Principais dicas

Se o jejum intermitente é mesmo algo que quer experimentar, aqui ficam algumas dicas.

– Experimente fazê-lo com mais alguém: o seu companheiro/companheira, um amigo ou colega. Tal como com o exercício físico, ter o apoio de alguém é fundamental.

– Perceba qual a janela horária de jejum que funciona melhor para si (ex: se acorda ou não com fome pode ser um bom indicador para a escolha do período de fasting).

– Beba muita água.

– Pode beber café ou chá. O chá verde pode ser uma boa opção, porque é rico em antioxidantes e ajuda a estimular o metabolismo. Tenha atenção só à quantidade de cafeína ingerida, para não perturbar o sono.

– Pode juntar canela ao café ou ao chá (a canela ajuda a suprimir a fome) ou aromatizar a água (rodelas de laranja, limão ou pepino, por exemplo).

– Mantenha-se ocupado

– Desvalorize a sensação de fome: geralmente, a fome surge em ondas, não é algo constante. Quando surgir uma onda de apetite, ignore e beba uma água ou um chá. Regra geral, a sensação acaba por passar.

– Quebre o período de jejum de forma suave: não caia no erro (como eu já caí várias vezes) de comer demasiado depois do fasting. E não estou a referir-me a comer o que não deve, estou mesmo a falar de quantidades. Coma devagar e até ficar saciado. Provavelmente, vai acabar por comer muito menos do que pensava.

– Privilegie uma dieta mais rica em proteína e gorduras saudáveis, e menos em hidratos de carbono (sobretudo simples). Este tipo de dietas gera mais saciedade e torna o jejum intermitente mais fácil.

Facilitar a vida

Um dos motivos que me fez ficar rapidamente adepta do fasting é bastante egocêntrico e nada nobre: facilita-me a vida. Ter uma alimentação saudável é simples, mas nem sempre é fácil gerir. Afinal, temos de conjugar isso com o trabalho, a família, a vida social, o exercício físico e, às vezes, falta-nos o tempo que gostaríamos de ter para planear e cozinhar refeições saudáveis todos os dias.

Para mim, o jejum intermitente é uma “dieta” sem as desvantagens das dietas. Enquanto as dietas nos dizem o que temos de comer, o fasting diz-nos para simplesmente fechar a boca. Enquanto as dietas nos dizem para gastar dinheiro, o fasting é amigo da carteira. Enquanto as dietas nos obrigam a gastar tempo, o fasting dá-nos tempo. Se se outras dietas podem ser difíceis de seguir fora de casa, o fasting funciona em qualquer lado. Enquanto as dietas complicam a vida, o fasting torna-a mais simples.

Dito isto, reitero a minha mensagem: se o jejum intermitente é um tema que não lhe desperta qualquer interesse, e algo que não se imagina a fazer, ignore tudo isto. Não é preciso seguir esta estratégia para ser saudável ou para perder peso. Pense no fasting como aquele conjunto de acabamentos lindos, que ficariam mesmo bem na casa nova. Mas o que realmente interessa é que a casa tenha bons alicerces: alimentos reais e nutritivos, actividade física e boas noites de sono. O resto vai depender sempre muito da nossa bio-individualidade.

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