Quando as emoções ditam a nossa fome


6 Agosto 2020

“Eu até sou capaz de fazer dieta, mas depois não consigo resistir àquele docinho depois de almoço.”

“Eu tenho uma alimentação saudável no dia-a-dia, mas depois estrago tudo a comer porcarias à noite enquanto vejo televisão.”

“O meu problema é ter uma vida social muito intensa e não resistir às jantaradas com os meus amigos.”

Quantas vezes já ouviu estas justificações? Quantas vezes elas saíram da sua própria boca? Durante algum tempo, pensava que ter uma alimentação saudável implicava fazer sacrifícios, deixar de comer as coisas que gostava. Pensava em privação. Sempre que tentava fazer dietas e mudar o rumo, acabava frustrada porque não conseguia resistir às “tentações”. “É só hoje”: a desculpa habitual. Encaramos a nossa relação com a comida como uma questão de força de vontade. E, por isso, quando cedemos àqueles desejos ou apetites incontroláveis, é sinal de fracasso. Mas é mesmo assim?

Durante a minha formação como health coach, compreendi que o nosso corpo é um bio-computador. Ele sabe intuitivamente quando tem de dormir, de acordar ou de ir à casa de banho. Ele sabe como manter uma temperatura constante e até como se curar a ele próprio quando nos magoamos. O nosso coração não falha um batimento, os nossos pulmões não falham uma respiração. Este bio-computador não se engana, não comete erros. Por que é que haveria de ser diferente com a comida?

A chamada fome emocional é geralmente vista como uma fraqueza, como falta de força de vontade, e acaba por ser muitas vezes o catalisador de relações pouco saudáveis com a comida e, inclusive, de perturbações e distúrbios alimentares. Mas e se esses apetites incontroláveis forem, na realidade, mensagens importantes que o nosso corpo nos manda? Um sinal de que algo está em desequilíbrio e que temos de voltar a equilibrar? Neste artigo, vamos tentar desconstruir o que pode estar por detrás da fome emocional e explicar como pode aprender a lidar com ela e a utilizá-la como um guia, e não como um diabo de quem tem de fugir a todo o custo.

As causas

Em primeiro lugar, esqueça as dietas loucas. Estas implicam sempre grandes restrições, deixando-o mais susceptível a ataques repentinos de fome e, consequentemente, a comer precisamente aquilo que não deveria. A constante alternância entre fases de “dieta” e “não-dieta” pode, inclusive, estimular a fome emocional e até gerar problemas e distúrbios alimentares mais graves.

Ou seja, a solução para controlar a fome emocional não passa por controlar o número de calorias que ingere e viver em permanente privação. Passa, em primeiro lugar, por saber quais são as suas principais causas.

1 – Falta de nutrientes

Pode parecer óbvio, mas ter uma alimentação saudável e equilibrada é uma das melhores formas de “controlar” a nossa fome emocional. Quando o nosso corpo não está a receber os nutrientes adequados, fica em desequilíbrio e pode sinalizar isso através de apetites por determinado tipo de alimentos. Por exemplo, a falta de minerais pode gerar desejos por produtos salgados, e uma nutrição inadequada no geral pode estimular apetite por outras fontes de energia não alimentares, como o café.

Já reparou que é quando se sente mais cansado ou sem energia que surgem muitos desses desejos incontroláveis? Frequentemente, esses sintomas advêm de uma nutrição desadequada, onde faltam vitaminas e minerais essenciais ao bom funcionamento do nosso corpo. A má notícia é que os alimentos escolhidos para colmatar essa falta de energia são, geralmente, os piores: os produtos altamente processados, como o fast-food. Estes produtos são concebidos, precisamente, para gerarem esses desejos e a dependência dos mesmos. Têm o que a indústria chama o “bliss point” (“ponto de felicidade”), uma combinação perfeita de açúcar, sal e gordura, que torna estes alimentos irresistíveis e viciantes.

O mesmo acontece com o açúcar – quanto mais é consumido, mais queremos. E como tendemos a desenvolver uma espécie de tolerância, acabamos a ter de consumir mais para gerar a mesma experiência satisfatória que tínhamos inicialmente.

Problema: este tipo de alimentos têm demasiadas calorias e gordura, mas muito pouco valor nutricional (proteína, fibra, minerais ou vitaminas). Ou seja, corremos o risco de engordar e, ao mesmo tempo, de ficar com carências. E essas carências estimulam o quê? Mais desejos incontroláveis. É um ciclo vicioso.

2 – Desidratação

A falta de água envia ao corpo a mensagem de que este tem sede e está à beira da desidratação. O nosso cérebro muitas vezes confunde essa sensação com a de fome. Por isso, quando tiver um desejo incontrolável, beba primeiro um copo cheio de água ou um chá. Aguarde uns minutos. Vai ficar surpreendido com a quantidade de vezes em que a sensação de fome irá, simplesmente, desaparecer. Se costuma ter desejos por doces, experimente beber chás quentes ou frios, ou água aromatizada (com laranja, limão ou pepino) com um pau de canela. E, se fizer exercício físico, mantenha-se hidratado: a perda de electrólitos, como o sódio, através do suor, pode gerar fome por alimentos ricos em sódio (sal).

3 – Equilíbrio Yin-Yang

Segundo a medicina tradicional chinesa, alguns alimentos são mais yin (expansivos) e outros mais yang (contractivos). Comer alimentos que são, ou demasiado yin ou demasiado yang, pode gerar desejos por alimentos opostos, numa tentativa por parte do corpo de reestabelecer o equilíbro. Por exemplo, uma alimentação com muitos açúcares (yin) pode estimular o apetite por carne (yang); o mesmo acontece entre a comida crua e a cozinhada.

4 Memória

Muitas vezes, os nossos desejos vêm de alimentos que comemos recentemente, porque estão mais frescos na nossa memória, e o corpo pede-os numa tentativa de recriar uma experiência positiva. Por exemplo, se gosta de acompanhar o café depois de almoço com um doce, como eu gostava, essa experiência agradável está gravada na sua memória e o seu corpo vai tentar recriá-la mais vezes, gerando desejos por esses alimentos. Uma possível solução é eliminar um dos factores associados ao hábito (o café, por exemplo). Outra é lavar os dentes. Sim, isso mesmo. Lavar os dentes ajuda a “limpar” a memória do seu palato.

É também muito comum termos apetites por alimentos de que gostávamos na nossa infância. Na realidade, o que procuramos aqui é o sentimento de satisfação, conforto e bem-estar associado ao contexto em que os comíamos. Uma estratégia que pode experimentar aqui é fazer uma versão saudável desse alimento. Por exemplo: a minha perdição de criança eram as batatas fritas e, por isso, quando sinto desejos disso hoje em dia, faço batata doce no forno. E, de vez em quando, como batatas fritas. Sem culpas.

5 – Desequilíbrio hormonal

No caso das mulheres, a menstruação, a gravidez ou a menopausa geram flutuações nos níveis de testosterona e estrogénio, o que pode gerar determinados desejos alimentares. O stress é também um dos principais factores que interfere com o nosso sistema hormonal.

6 – Falta de “primary food”

Há uma razão para este tipo de desejos e apetites incontroláveis cair na definição de “fome emocional. A fome que nos assola não é por aquele alimento específico. A fome “real” não é selectiva, não é a fome do “só quero batatas fritas”. É, na realidade, uma fome por determinada emoção, por determinado sentimento ou sensação que não estamos a sentir ou a receber.

No health coaching, é fundamental o conceito de “primary food”, os alimentos primários, que são mais importantes para a nossa saúde e até para termos uma boa relação com a nossa alimentação do que propriamente a comida que pomos no prato. Exemplos: estar infeliz ou descontente com a sua relação amorosa, sentir falta de ter vida social e amigos, estar permanentemente stressado, ter falta de motivação no trabalho, estar desempregado, dormir mal, não ter tempo para cuidar de si, não ter uma rotina de exercício físico adequada (falta, excesso de exercício, ou tipo de exercício errado). Tudo isto – e muito mais – pode levar a uma alimentação emocional.

7 – Auto-sabotagem

Pode parecer um contra-senso, mas já vi isto a acontecer várias vezes com alguns clientes. E já me aconteceu a mim. Quando as coisas estão a correr bem na nossa vida, quando até estamos a conseguir levar a cabo as nossas intenções  e planos, damos cabo de tudo. Deixamos que as nossas crenças auto-limitadoras ressurjam, achamos que não somos capazes, ou que não somos merecedores. Voltamos aos velhos hábitos, porque são terreno conhecido e porque achamos que não somos capazes de os deixar. Além disso, achamos que tem de ser o tudo ou o nada. Mas não tem. Qualquer mudança é um processo, por isso seja paciente consigo: se der um passo em falso, não atire a toalha ao chão. O importante é não desistir.